China proíbe menores de idade de gastar mais de três horas por semana com jogos online
O Governo da China lançou uma cruzada aberta contra os jogos online, um hobby que as autoridades chinesas acusam de ter se tornado um vício entre os jovens. Nesta segunda-feira, as autoridades de Pequim anunciaram que vão proibir menores de idade de dedicar mais de três horas por semana a essa atividade, descrita no início de agosto por uma mídia estatal como “ópio espiritual”. Com esta decisão, os videogames voltam a estar na mira dos reguladores de Pequim, que apontam como o argumento mais poderoso para os restringir o efeito nocivo que causam entre aqueles que serão os motores da sociedade num futuro não muito distante.
A Administração Estatal de Imprensa e Publicações, o órgão regulador para publicações impressas e digitais na China, especificou em um comunicado que as empresas de videogame online só podem permitir que menores de 18 anos acessem seu conteúdo das 8h às 21h às sextas-feiras, sábados, domingos e feriados. Da mesma forma, comunicou que aumentará a frequência das fiscalizações dessas empresas, a fim de verificar se as estratégias contra a dependência do jogo estão a ser implementadas de forma eficaz. As empresas também serão estritamente proibidas de prestar qualquer outro tipo de serviço a menores fora desse horário e deverão verificar a identidade real dos usuários, para evitar que uma mesma pessoa registre contas diferentes sob pseudônimo.
O texto também destaca que os orientadores desta diretriz atuarão junto às famílias, escolas e demais atores da sociedade responsáveis pela formação das novas gerações. A este respeito, a agência de notícias oficial Xinhua fez eco das declarações de um porta-voz da instituição: “Os adolescentes são o futuro da nossa pátria. Proteger a saúde física e mental de menores é uma das prioridades vitais de nosso povo”.
O gigante asiático já havia limitado em 2019 o tempo total que os menores podiam acessar videogames online para 90 minutos por dia e três horas durante a temporada de férias. De acordo com estatísticas publicadas pela mídia oficial, 62,5% das crianças e adolescentes chineses jogam na internet com mais frequência do que o estipulado anteriormente, e até 13,2% desses usuários o faziam —pelo menos até o momento— mais de duas horas por dia em jornadas de atividades escolares.
Com mais de 665 milhões de jogadores, a China é o maior mercado de videogame do mundo, um setor que, na atual situação do surto pandêmico, só cresceu. Estima-se que seu faturamento em 2021 gire em torno de 41,7 bilhões de dólares, previsão que, provavelmente, será afetada se a regulamentação atingir o impacto que as autoridades esperam. Segundo relatório divulgado em meados de agosto pelo portal alemão Statista, a expectativa é de que até 2025 —também supondo que a tendência da última década continue— o faturamento aumente para 60,3 bilhões. A mesma fonte destaca que os jogos para celular respondem por 84% das vendas no mercado chinês, prova de que o trabalho de controle não se limitará ao espaço confinado da casa e exigirá, além da supervisão dos pais, a de outros adultos.
Após o anúncio, as ações da empresa holandesa de investimento em tecnologia Prosus NV, com 29% de participação na Tencent, caíram 1,45% na bolsa de valores Euronext Amsterdam, enquanto as das empresas europeias de videogame Ubisoft e Embracer caíram 2%. Antes da abertura da sessão de segunda-feira da bolsa de Wall Street, as ações das empresas chinesas NetEase e Bilibili já haviam caído mais de 6% e 3%, respectivamente. As novas medidas também coincidem com as recentes restrições que o Governo impôs a vários de seus gigantes tecnológicos, como Alibaba e Didi, tudo no âmbito de uma nova campanha para controlar setores-chave da economia nacional.
No meio do mês, o jornal Economic Information Daily, sob a égide da Xinhua, publicou um artigo criticando a indústria de videogames e chamando Honor of Kings, um jogo móvel da Tencent, de “ópio espiritual”. Apesar do qualificador ter sido posteriormente retirado do texto sem qualquer explicação, o golpe econômico era inevitável: as ações da Tencent e da NetEase caíram mais de 10% nas primeiras operações da Bolsa de Hong Kong.
Como resultado do debate de que esse fenômeno de dependência de games desencadeou na sociedade, a Tencent, dona do “super app” WeChat, já havia começado a reduzir o tempo em que menores de idade podem jogar videogame antes que o Governo optasse por esse novo aperto. “Desde 2017, a Tencent explora e aplica novas tecnologias e funções para a proteção de menores (…) Vamos continuar a fazê-lo. A Tencent cumpre rigorosamente e implementa ativamente os requisitos das autoridades chinesas“, disse a empresa em um comunicado após comentários inflamados do Economic Information Daily.
Em julho, a empresa anunciou que começaria a usar tecnologia de reconhecimento facial para identificar menores que jogam videogame à noite e ameaçou expulsar da plataforma aqueles que violassem a regra. A iniciativa, conhecida como Patrulha da Meia-Noite, tem como objetivo evitar que crianças e adolescentes usem os dispositivos móveis de seus pais para contornar a proibição. Para tanto, verificam as fotos que os usuários carregam ao se cadastrar no sistema de segurança social do país.
As consequências da política atual a curto ou médio prazo para Tencent, NetEase e outros pesos pesados da área podem não ser tão alarmantes se as previsões da Bloomberg se concretizarem, com jogadores menores de 16 anos representando apenas 2,6% do total do recebido pela Tencent no primeiro semestre deste ano, enquanto as crianças menores de 12 anos representavam apenas 0,3%.