Rússia envia navios de guerra para a Síria, que sofre ataque turco
Em meio à ofensiva turca para retaliar a morte de 33 soldados num bombardeio no noroeste da Síria, a Rússia decidiu enviar nesta sexta (28) duas fragatas para a costa do país árabe.
A sinalização, eloquente, ocorreu em meio a mais um dia de violência em solo e intensa movimentação diplomática para tentar evitar que a guerra civil síria vire um embate direto entre russos e turcos —esses últimos, membros da Otan, a aliança militar liderada pelos Estados Unidos.
Para pressionar os países europeus a ficarem a seu lado, a Turquia anunciou que permitirá que refugiados sírios em seu território, estimados de 3,3 milhões a 3,6 milhões, atravessem as fronteiras rumo ao continente. O país tem divisa com a Grécia e com a Bulgária.
As fragatas russas enviadas, a Almirante Makarov e a Almirante Grigorovitch, fazem parte da Frota do Mar Negro.
Para chegar até o Mediterrâneo, eles passaram pelos estreitos de Bósforo e Dardanelos, sob jurisdição da Turquia. Já patrulha a costa síria outra fragata, a Almirante Essen, que integra uma força de 15 navios russos na região.
Assim, o seu simples envio foi um teste posto por Moscou sobre as intenções de Ancara: qualquer impedimento aos navios poderia ser lido como ato hostil. Os barcos carregam mísseis de cruzeiro Kalibr, já utilizados no conflito sírio contra alvos a mais de 1.500 km de distância.
Nesta sexta, a Turquia continuou seu ataque retaliatório, “anulando”, segundo seu Ministério da Defesa, 309 soldados sírios em 200 ataques em torno da região de Idlib. Pelo menos 16 foram mortos.
A província é o último bastião controlado por rebeldes que lutam contra a ditadura de Bashar al-Assad desde 2011, num conflito que já deixou de 360 mil a 580 mil mortos, 6,2 milhões de refugiados e talvez 7 milhões de deslocados internos na Síria.
Esses grupos revoltosos, que incluem integrantes da rede terrorista Al Qaeda, são apoiados pela Turquia.
Em outubro, Ancara invadiu o norte sírio em acordo com Moscou para isolar os curdos de seu país daqueles da nação árabe, buscando enfraquecer seu movimento separatista.
Idlib era uma zona de distensão militar acertada entre russos e turcos em 2018, mas o governo do presidente Recep Tayyip Erdogan decidiu enviar tropas para lá, visando criar um bolsão para enviar parte dos refugiados sírios que abriga e que também impossibilite a vitória final da ditadura de Assad.
Com isso, estão frente a frente rebeldes e sírios, mas também turcos e russos, respectivamente. O ataque da noite de quinta (27), o mais mortífero para tropas de Ancara até aqui, elevou o risco de a situação sair de controle.
Putin e Erdogan falaram ao telefone nesta sexta e concordaram que “medidas adicionais” devem ser tomadas para tentar pacificar a situação, segundo informou o Kremlin.
Um dos indicativos da tensão é o fato de que a conversa não foi suficiente, como no passado, para cessar as hostilidades.
Em 2015, os turcos até abateram um caça-bombardeiro russo que havia penetrado seu espaço aéreo, mas desde então Erdogan e Putin estavam em franca aproximação —decorrente do afastamento de Ancara dos EUA, que levou os turcos a comprar sistemas antiaéreos russos sob protestos americanos.
Nesta sexta, os russos negaram ser os responsáveis pelo bombardeio do posto militar sírio ao sul da cidade de Idlib, capital da província homônima, mas alertaram que os turcos estavam fora de posição na hora do ataque.
Considerando que o verdadeiro poder aéreo na região é baseado em Hmeimim, onde os russos mantêm seus aviões, não é impossível que o ataque tenha partido de suas forças. Mas, para fins diplomáticos, a versão é de que Damasco é a responsável.
Segundo disse o chanceler russo, Serguei Lavrov, não caberia à Rússia impedir a Síria de se proteger “contra terroristas”. O discurso, que convenientemente ignora a dependência que Assad tem de Putin, estabelece uma linha agressiva que visa fazer os turcos moderarem o uso de força.
O impasse está colocado. O Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde a Rússia tem poder de veto, irá se reunir para debater o tema nesta sexta. A pedido da Turquia, a Otan também fará um encontro de emergência —o artigo 5º de seu tratado prevê solidariedade dos membros caso um dos 29 países do grupo seja atacado.
Como em última instância esse inimigo pode ser a Rússia, a única potência nuclear comparável aos EUA, isso dá a dimensão da confusão.
Há riscos adicionais. Os EUA, que se declararam fora do imbróglio sírio, apesar de manterem tropas por lá, podem voltar à cena.
O presidente americano, Donald Trump, conversou com Erdogan sobre a crise. Depois do telefonema, o secretário de Estado, Mike Pompeo, disse que os EUA estavam “revendo opções para assistir a Turquia ante essa agressão”, além de “prevenir outras brutalidades de Assad e da Rússia”.
O impasse está colocado. O secretário-geral da ONU, António Guterres, descreveu a crise como “um dos momentos mais alarmantes” dos nove anos de guerra.
A pedido da Turquia, a Otan fará um encontro de emergência —o artigo 5º de seu tratado prevê solidariedade dos membros caso um dos 29 países do grupo seja atacado.
Como em última instância esse inimigo pode ser a Rússia, a única potência nuclear comparável aos EUA, isso dá a dimensão da confusão.
Há mercenários e forças especiais russas em solo sírio, mas o grosso do trabalho de Moscou é no ar.
Em terra, iranianos e libaneses xiitas do grupo Hizbullah operam em coordenação com o Exército sírio. O argumento legalista do Kremlin é de essas tropas são convidadas de Damasco, portanto sua ação é legítima.